Pedro Domingos defende que será cada vez mais difícil viver sem a ajuda de ferramentas de aprendizado de máquinas dentro de alguns anos
Prepare-se: mais e mais decisões do seu dia a dia serão tomadas por (ou com ajuda de) algoritmos. O funcionamento das empresas e da sociedade será cada vez mais automatizado, “primeiro nos aspectos mais simples e repetitivos, mas progressivamente também nos mais complexos e sutis”, defende Pedro Domingos, professor de ciência da computação na University of Washington.
“No futuro, cada um de nós terá um modelo de si mesmo aprendido a partir de todos os seus dados, e esse modelo será ainda mais indispensável do que um smartphone é hoje”, aponta o especialista, acreditando que viver sem a ajuda das ferramentas de aprendizado de máquinas será praticamente impossível dentro de alguns anos.
Domingos, que é autor de “The Master Algorithm: How the Quest for the Ultimate Learning Machine Will Remake Our World”, concedeu uma entrevista sobre machine learning à Computerworld Portugal. Confira os trechos da conversa.
Computerworld – Resumidamente, o que é aprendizado de máquinas?
Pedro Domingos – Machine learning é a segunda fase da era da informação. Na primeira fase, os computadores tinham que ser explicitamente programados por nós. Assim, através de algoritmos, descrevíamos passo a passo o que deveriam fazer. Este processo tradicional é naturalmente muito lento e caro.
O aprendizado de máquina, pelo contrário, possibilita que os computadores programam-se a si mesmos. Dados exemplos do “input” e “output” desejados, os algoritmos de aprendizagem procuram descobrir o programa que transforma um no outro.
Hoje em dia, com a vasta quantidade de dados disponível, é possível descobrir programas extremamente complexos, incluindo alguns que ninguém saberia como descrever explicitamente.
Computerworld – Quais são as cinco tribos que compõem o machine learning?
Domingos – As tribos da aprendizagem de máquinas correspondem aos cinco grandes paradigmas desta área: os conexionistas aprendem emulando o cérebro humano ao nível dos neurônios; os evolucionários simulam a seleção natural; os simbolistas formalizam os processos de raciocínio indutivo dos cientistas; os Bayesianos calculam sistematicamente as probabilidades das várias hipóteses; e os analogizantes raciocinam por analogia, procurando semelhanças entre os novos problemas que encontram e os problemas previamente resolvidos.
Computerworld – O que é o “Master Algorithm”?
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Domingos – O “Master Algorithm” é a unificação dos algoritmos das cinco tribos num só algoritmo. É a teoria unificada da aprendizagem de máquinas, da mesma forma que o “Standard Model” é a teoria unificada da física ou o “Central Dogma” é a teoria unificada da biologia.
Trata-se de um modelo universal do raciocínio indutivo, da mesma forma que a “Turing Machine” é um modelo universal do raciocínio dedutivo. Ou, da mesma forma que a Internet é uma rede de redes, o “Master Algorithm” é um algoritmo de algoritmos.
Computerworld – Como as máquinas podem passar da análise dos traços passados para “fazerem algo que queremos, mesmo antes de nós perguntarmos”?
Domingos – O objetivo da aprendizagem de máquinas é sempre prever o futuro a partir do conhecimento do passado. A partir de uma base de dados de pacientes, de seus sintomas e dos seus diagnósticos, os algoritmos aprendem a diagnosticar os pacientes futuros, mesmo que os sintomas não sejam iguais aos dos anteriores.
Olhando para os livros que eu comprei no passado, os algoritmos aprendem a prever os livros que comprarei no futuro, como faz a Amazon. Isto pode, por exemplo, ser feito identificando outros clientes com gostos semelhantes aos meus, e deduzindo que os livros que eles gostaram – mas que eu ainda não comprei – poderão também ser interessantes para mim também. Em geral, quanto melhor o algoritmo me conhece, melhor consegue prever o que eu quero.
Computerworld – Qual será o impacto da “machine learning” em uma sociedade cada vez mais conectada?
Domingos – Mais e mais decisões serão tomadas pelos nossos algoritmos de aprendizagem ou com a ajuda deles, quer se trate de indivíduos ou de organizações.
A grande vantagem de uma sociedade conectada é que aumenta astronomicamente o número de escolhas disponíveis. O problema, por outro lado, é que são escolhas demais a serem tomadas sem ajuda. Se uma livraria tem milhões de livros disponíveis, como é que eu encontro os que quero comprar? A solução para este problema está no aprendizado de máquina, com algoritmos que fazem uma triagem, e eu escolho a partir dessas opções. Por seu lado, o algoritmo aprende a partir das minhas escolhas e, na próxima, vez faz propostas melhores.
Computerworld – O que diferencia “machine learning” da inteligência artificial tradicional?
Domingos – Na inteligência artificial tradicional, todo o conhecimento que os computadores utilizam tem que ser explicitamente programado por engenheiros da computação (ou similares). Por exemplo, para criar um programa capaz de fazer diagnóstico médico, é preciso entrevistar médicos, codificar exaustivamente os seus conhecimentos em regras, introduzi-las no computador, etc.
Na maioria dos casos, este processo é muito caro e propenso a falhas para ser viável. Com a aprendizagem de máquinas, este processo é substituído pela indução a partir dos dados, o que é muito mais rápido, barato e completo, especialmente quando os dados já estão disponíveis, como é o caso em cada vez mais áreas.
Computerworld – Que impacto os algoritmos evolutivos – ou “learners” – terão na sociedade em geral e nas organizações?
Domingos – O funcionamento das empresas vai ser cada vez mais automatizado, primeiro nos aspectos mais simples e repetitivos, mas progressivamente também nos mais complexos e sutis.
Em geral, a sociedade e a economia passarão a funcionar a dois níveis: o primeiro, “subconsciente”, em que os algoritmos fazem a pesquisa e estabelecem as correlações para nós; e o segundo em que nós tomamos explicitamente as decisões que não queremos deixar para os algoritmos.
No futuro, cada um de nós terá um modelo de si mesmo aprendido a partir de todos os seus dados, e esse modelo será ainda mais indispensável do que um smartphone é hoje. Viver sem a ajuda dos nossos modelos parecerá impossível. E a economia girará á volta dos nossos modelos, porque serão eles que tomarão a grande maioria das decisões.
Computerworld – A Internet of Things (IoT) vai gerar uma enorme quantidade de dados. Nesse contexto, “machine learning” não será algo perigoso?
Domingos – Pode ser perigosa se for mal feita, ou se não estiver sob o controle do usuário. Mas é importante perceber que a IoT dificilmente funcionará sem a ajuda da aprendizagem de máquinas.
Se cada uma dessas “coisas” tiver que ser programada pelo usuário, e se tiver que ser ele o responsável por fazer esses dispositivos funcionarem em conjunto, a Internet das Coisas se transforma em um pesadelo. Imagine o problema de programar os controles remotos de todos os aparelhos que temos em casa, com a diferença de que serão milhares de aparelho, e não mais meia dúzia, sendo que cada um deles terá muitos comandos e opções.
Na IoT, como em outras áreas, a aprendizagem de máquinas é, de certa a forma a “cola” que torna possível a integração de sistemas cada vez mais complexos e heterogêneos.
Computerworld – Em seu livro, você escreveu que “o aprendizado de máquinas está remodelando a ciência, a tecnologia, os negócios, a política e as guerras” e que “as companhias conhecerão seus clientes como nunca antes”. Essas frases não dão poder demasiado aos algoritmos?
Domingos – Os algoritmos são extensões dos nossos cérebros. A sua função é apenas tomar as decisões que nós próprios tomaríamos, se tivéssemos tempo. A questão crucial é: quem controla os algoritmos e em que dados eles se baseiam? Os algoritmos que me ajudam nas minhas decisões devem ser controlados por mim, e por mim apenas.
O perigo é que frequentemente eles são controlados por terceiros, cujos objetivos são, em geral, diferentes dos meus. Por isso é que é importante que todos nós saibamos o que é a aprendizagem de máquinas e como funciona, para que ela nos sirva a nós e não a outros.
Fonte: computerworld