Se a empresa passa por um processo de realinhamento, uma TI subordinada ao CFO ou ao COO terá condições de colaborar ativamente neste redesenho?
Este ano estive em muitos eventos para CIOs nos quais um único tema orientou os debates: a transformação digital. Naturalmente surgiu a discussão do novo papel da TI e do posicionamento da área no organograma da empresa. A subordinação direta varia bastante, com algumas empresas conectando o CIO diretamente ao CEO e muitas ao CFO e mesmo ao COO ou similares. Mas, o mais importante que a conexão é o porquê desta conexão.
De maneira geral, a subordinação ao CFO implica o desejo natural da empresa em controlar custos de TI e assegurar que os seus gastos estão dentro das diretrizes da companhia. A maioria dos CIOs que estão subordinados aos CFO diz que a área de TI é vista como suporte, não estratégica de fato, apesar dos discursos da alta administração falarem o contrário, que TI é estratégica. Mas uma análise mais aprofundada no seu portfólio de aplicações mostra claramente que a maioria das TI subordinadas aos CFOs atende prioritariamente ao back-office, com maior prioridade ao setores administrativo e financeiro. Sem fazer juízo de valor, a tendência de muitos CFOs é olhar os números e controlar os custos e, portanto, sem propensão a ver TI como geradora de valor para o negócio, mas apenas como centro de custos.
A subordinação ao COO, ou similar (executivo administrativo por exemplo), denota com mais intensidade a visão de que a TI não tem impacto estratégico nas decisões corporativas. Tendem a ser áreas de TI menos inovadoras, atendendo basicamente às demandas de melhorias dos processos “core” da empresa. Por outro lado, as áreas de TI ligadas diretamente ao CEO tendem a ser vistas como estratégicas, de missão crítica para o negócio, como uma ferramenta de competitividade e inovação. Algumas têm acesso direto ao board, interação frequente com o CEO e participam ativamente das definições estratégicas da empresa. De maneira geral são as áreas de TI com maior poder de impulsionar a transformação digital nas empresas, sacudindo o status quo.
Claro que uma análise superficial dessas não consegue avaliar de forma precisa a visão de como a TI é vista pela empresa. A ligação direta do CIO a um determinado C-level não necessariamente denota a percepção em relação a TI e mesmo seu posicionamento frente à transformação digital. Uma conexão direta ao CEO não implica atenção deste, que pode estar com o olhar para outras áreas. E CIOs ligados a a outros C-level, sem conexão direta com o CEO podem ter um canal muito mais aberto com ele. Mas, de maneira geral, empresas mais intensamente afetadas pela digitalização buscam posicionar sua área de TI de forma mais estratégica. As que ainda enxergam a TI como suporte operacional, a subordinam a outros executivos e assim, muitas vezes, o título de CIO é apenas honorífico, pois não tem status de diretoria e nem acesso ao board e às discussões de estratégia do negócio.
Mas à medida que a tecnologia se insere nos negócios, o papel de TI tende a se tornar mais e mais estratégico. A importância da TI ser vista como alavancadora ou não de novos negócios é explicitada claramente em uma entrevista de 2003, quando Craig Barrett era o CEO da Intel : “In many cases, the CIO does not need to report to the CEO. CEOs need to have a small number of people reporting to them, the ones who really driving the business forward. So it may not make sense for the CIO to report to the CEO”. Esta frase, trazida aos dias de hoje, implica no seguinte: Se a TI alavancar novos negócios, contribuir diretamente para a criação de novos modelos de negócio, sim, ela merece atenção do CEO e ficará subordinada a ele. Caso contrário, por que perder tempo com o CIO?
A transformação digital demanda um novo olhar para TI. A tecnologia está cada vez mais inserida nos produtos, processos e modelos de negócio. Para fazer frente a estes novos desafios, uma vez que nunca passamos por tão rápidas e intensas transformações, o papel de TI e seu posicionamento na organização deve ser revisto. O modelo organizacional e o papel da TI que ajudou a empresa a chegar até onde chegou, não vai necessariamente ser a mesma que vai levá-la por outros caminhos. São necessários novos mapas.
É sintomático que alguns CIOs reportem que a posição da área é assim há muito tempo e que não veem movimentos da empresa em repensar se, no momento atual, de mudanças rápidas, este posicionamento continua válido. A alta direção e o board não podem ficar inertes e devem analisar se, frente à transformação digital, o atual posicionamento de TI ainda faz sentido.
Nenhuma indústria está livre de rupturas provocadas pela digitalização do tudo. Se a alta administração não tiver uma resposta racional e adequada do porquê do atual posicionamento de TI, e a mantiver desta forma por simples legado, estará criando um perigoso risco para o negócio. O posicionamento de TI não deve ser rígido. Pode e deve variar de acordo com as demandas do cenário de negócios e o cenário atual exige respostas rápidas e mudanças no status quo das empresas, muitas vezes transformando modelos de negócio. A posição atual da TI a dá poder suficiente para liderar esta transformação?
Por exemplo, se a empresa está passando por um processo de realinhamento estratégico, uma TI subordinada ao CFO ou ao COO terá flexibilidade e condições de colaborar ativamente neste redesenho?
Uma pergunta chave que costumo fazer aos CEOs e que denota quão importante para a estratégia e inovação eles percebem a TI e seu CIO, é se eles acreditam que a saída dele da empresa para um concorrente fará diferença ou não. Um teste é deixar seu CIO ir para concorrência: tem cláusula de impedimento? Se não, a TI não está envolvida nas estratégias do negócio, mas apenas suporta as suas demandas. Independente da pessoa do CIO, se o CEO pensar que o CIO é um profissional intercambiável, cuja substituição não afeta o negócio, me parece claro que sua visão é de uma TI operacional.
Ajustar os negócios da empresa para um mundo que se torna digital, com clientes cada mais exigentes, que viralizam suas opiniões, é um negócio muito sério para praticamente todos os setores. Buscar executivos que naveguem bem neste novo mundo não é uma tarefa fácil e por que os CIOs atuais não podem se candidatar? Não estão fadados a perder relevância, a não ser que fiquem inertes.
O que os CIOs precisam fazer para reverter esta situação? O primeiro passo é começar a pensar como executivo de negócios e não como tecnólogo. Devem mostrar que são capazes de atender as crescentes demandas e de se concentrar em novos negócios tanto quanto na excelência da operação diária. Devem começar a influenciar a alta administração da importância de TI e de sua contribuição para o negócio no mundo digital. Precisam conquistar respeito e reputação para liderar as transformações digitais na empresa.
Um primeiro passo é mudar algumas atitudes como:
a) Não falar em “clientes internos” ao se referir aos seus colegas C-level. Não ficar na postura de prestador de serviços ao negócio. O grande cliente de TI é o cliente lá fora, que gera receita. Seus colegas C-level são parceiros nesta empreitada.
b) Evitar referir-se “ao negócio” quando fala do restante da empresa. TI não é entidade estranha ao negócio mas é parte integrante ou é o próprio negócio.
c) Ter visão, missão e proposição de valor. E aqui, como sugestão, a declaração de missão da TI de uma empresa americana, que na minha opinião pode servir como referência : “ We are innovative business leaders for XXX and our brands, who anticipate technology trends and adapt to merging opportunities while delivering core functions flawlessly”.
Prestem atenção a “innovative business leaders”, “ anticipate technology trends” e observem que “delivering core functions flawlessly” é a última frase. Para muitas áreas de TI, esta última frase é a sua principal, e muitas vezes única, missão…
d) Assumir que o papel do CIO deve mudar de “run the IT organization” para “ensure that the enterprise, as a whole, achieves strategic value from the use of technology and information”. Isso significa mudar a mentalidade muitas vezes cristalizada de ser guardião do templo, de tentar controlar tudo, para manter as coisas seguras e estáveis, para se tornar mais ágeis, rápidos e correr mais riscos. Propor coisas novas e não mais se intimidar com o novo. Uma pergunta típica do CIO guardião é: “ mas, isto já foi feito em outra empresa?”. Sua reação natural é que se a resposta for não, ele não vai em frente… Mudar para ajudar a empresa a testar novas ideias é mudar este mind set.
A questão é que se o CIO vai ou não descobrir como evoluir neste novo contexto. Este fato irá ditar o quão relevante ele será.
E um alerta: não espere que alguém lhe peça para ser estratégico! Seja e aja como CIO estratégico. Assim, fará realmente parte do C-level da organização e não apenas terá um cargo honorífico.
*Cezar Taurion é CEO da Litteris Consulting, CEO da ThinPost e autor de seis livros sobre Open Source, Inovação, Cloud Computing e Big Data
Fonte: computerworld